quinta-feira, 26 de março de 2009

Decisão difícil

"Não me envergonho do que fiz"

O presidente da Embraer, Frederico Curado, tornou-se inimigo da pátria ao demitir 4 300 empregados - uma decisão que, segundo analistas, garante a sobrevivência da empresa

Por Marcelo Onaga - Revista EXAME

Quando assumiu a presidência da Embraer, em abril de 2007, o engenheiro aeronáutico Frederico Fleury Curado realizou um sonho que havia acalentado por mais de 20 anos. Apaixonado por aviação, Curado construiu toda a sua carreira na Embraer. Desde o início, em 1984, participou do desenvolvimento de projetos de aviões que se tornaram sucessos internacionais, enfrentou crises que eliminaram mais de 10 000 postos de trabalho e quase levaram a companhia à falência e viveu as glórias da recuperação, já na fase pós-privatização, com a chegada da Embraer ao grupo das três maiores fabricantes de jatos comerciais do mundo, atrás apenas de Boeing e Airbus. Ao assumir a empresa, há pouco menos de dois anos, Curado esperava seguir o caminho de vitórias iniciado por seu antecessor, Mauricio Botelho. Pelo menos até agora, não foi o que aconteceu - e seu sonho de 20 anos, em alguns momentos, transformou-se num pesadelo. Para enfrentar os efeitos da crise internacional, que resultaram no cancelamento ou no adiamento de cerca de 100 pedidos de aviões que deveriam ser entregues neste ano, Curado demitiu 4 300 funcionários, ou 20% da força de trabalho da Embraer. Imediatamente, tornou-se um vilão nacional - achincalhado por governo, sindicatos e populistas dos mais diversos matizes ideológicos. "Não me envergonho do que fiz", diz Curado. "Era preciso uma ação rápida para proteger a empresa e os outros 17 000 empregos."
A explicação, ainda que correta tecnicamente, parece não satisfazer nem o próprio executivo. Abatido, ele diz que não dorme direito desde o início de fevereiro, quando percebeu que teria de tomar atitudes drásticas. "Foram dez dias de angústia e noites maldormidas até anunciar os cortes", afirma. A maneira de conduzir as demissões foi discutida por semanas. Desde a forma como seria feito o anúncio até os benefícios extras a ser concedidos, passando por uma análise individual de cada demitido na tentativa de evitar que membros de uma mesma família fossem dispensados ao mesmo tempo. Ninguém recebeu o anúncio da demissão em casa, por telegrama, ou soube dos cortes pelos jornais, como é comum em dispensas desse porte. "Quisemos explicar individualmente o motivo da demissão", diz Curado. Não bastasse o desgaste inerente à situação, as demissões transformaram Curado em uma espécie de inimigo público da nação. Até o presidente da República condenou publicamente o presidente da Embraer. Lula convocou a direção da empresa para uma reunião em Brasília alardeando que cobraria a revisão das demissões. Juízes trabalhistas e desembargadores entraram na onda e concederam liminares suspendendo as dispensas. Magoado, Curado diz que houve uma busca insana por culpados sem análise fria da situação. "Uma empresa privada tem de buscar sua sobrevivência", diz ele. "Ninguém demite por prazer, mas era necessário, e tudo foi feito com respeito aos empregados e dentro da lei."
Embora amaldiçoada por políticos e sindicalistas, a reação da Embraer à crise foi elogiada por analistas do setor, que viram na ação rápida de Curado um movimento que ajudará a garantir a continuidade da empresa. "Há companhias fechando e outras ameaçadas. Não se sabe quantas vão sobreviver à crise, mas certamente a Embraer é uma delas", diz a americana Heidi Wood, analista do setor aeronáutico do banco Morgan Stanley em Nova York. A aprovação técnica às demissões na Embraer faz sentido. Em um setor tão intensivo em capital e mão-de-obra e que trabalha com prazos de produção e entrega tão longos (um avião precisa, em média, de 18 meses para ficar pronto depois de feito o pedido), a demora nas decisões pode ser fatal. No último mês, a americana Eclipse e a alemã Grob, duas fabricantes de jatos executivos, fecharam as portas e todos os funcionários perderam o emprego. Além disso, todos os grandes fabricantes de aviões fizeram cortes significativos em seu quadro de pessoal. A falência de fabricantes de aeronaves em meio a crises econômicas não é novidade. Em 2001, depois da crise provocada pelos atentados de 11 de setembro, a fabricante teuto-americana Fairchild Dornier, uma das maiores do mundo, fechou as portas. A empresa estava em estágio avançado de desenvolvimento de um jato regional que seria o maior concorrente do EMB 170/190. "É preciso evitar que a empresa entre em crise. Depois que entra, é muito difícil sair", diz Curado.
Apesar das demissões e do baixo- astral que tomou conta da empresa e de toda a cidade de São José dos Campos, onde fica a sede da Embraer, a companhia mantém boas perspectivas para o futuro. A previsão de entregas caiu de cerca de 350 aviões para 240 neste ano. "Mas é provável que, quando o mercado voltar a crescer, a Embraer esteja mais forte do que quando entrou na crise", afirma Heidi Wood, do Morgan Stanley. Dois fatores podem favorecer a fabricante brasileira. O primeiro é que o mercado de aviões executivos, o mais afetado até agora, deverá ter novas baixas. Na avaliação de um importante executivo do setor, pelo menos um fabricante de grande porte pode sair do jogo, e a Embraer, com uma das linhas de produtos mais modernas e competitivas, estaria entre as favoritas para ocupar o espaço deixado. Além disso, a linha de aviões comerciais da canadense Bombardier, concorrente direta da Embraer, é antiga e os novos jatos que estão em desenvolvimento, e que devem chegar ao mercado em quatro anos, não trazem novidades em relação aos EMB 170/190, os principais produtos da fabricante brasileira.
A empresa não estabelece um prazo para voltar a contratar. Mas manteve investimentos em produtos para estar pronta quando o mercado reagir. Neste ano, deverá ocorrer a primeira entrega do jato executivo de pequeno porte Phenom 300. O desenvolvimento dos aviões executivos de médio porte Legacy 450 e 500 também foi preservado e a Embraer já começa a estudar os sucessores dos jatos comerciais EMB 170/190. "Cortamos gastos com viagens, carro, telefone e consultoria para manter os investimentos", diz Curado. A criação de vagas só vai acontecer, no entanto, quando houver demanda. Ao contrário do que ocorre com o setor automotivo, por exemplo, no mercado de aviões de nada adianta um benefício fiscal. Tampouco resolve o presidente da República bradar que as empresas aéreas nacionais devem trocar seus aviões da Boeing ou da Airbus por jatos da Embraer (quando ele próprio escolheu um Airbus). Por enquanto, a única companhia nacional que aposta nos Embraer é a Azul, recém-lançada pelo empresário David Neeleman. A Azul, porém, enfrenta obstáculos em seu plano de expansão - o principal deles é a proibição de operar no aeroporto de Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Segundo executivos do setor, o governo poderia ajudar a gerar empregos na Embraer se investisse em um projeto de avião de transporte militar apresentado pela companhia. "O último projeto da Embraer desenvolvido para o governo é de 1997", diz Curado. "Seria bom começar um novo."

Nenhum comentário: