Fernanda Nidecker
Enviada especial da BBC Brasil a Moscou
Setor energético responde por 60% das exportações da Rússia
A Rússia terá que diversificar sua economia, hoje altamente dependente dos recursos energéticos, para voltar a crescer na próxima década, afirmam analistas ouvidos pela BBC Brasil. O país é o que mais sofre com os efeitos da crise financeira internacional entre os países do grupo BRIC.
Para Jim O'Neill, economista da Goldman Sachs que cunhou o termo BRIC, a alta dependência do país por petróleo e gás tornou a Rússia o mais vulnerável entre os quatro integrantes do BRIC às turbulências externas.
"A Rússia definitivamente terá que mudar. Esta crise demonstrou que o país é dependente demais do petróleo e que precisa se afastar disso", disse O'Neill em entrevista à BBC Brasil.
Dona da maior reserva de gás natural do mundo e da segunda maior de petróleo, a Rússia tem 60% de suas exportações sustentadas pelo setor energético. O país também é grande produtor de outras matérias primas, como metais e madeira, tendo se beneficiado, como o Brasil, da alta no preço das commodities nos últimos anos.
Um dos maiores efeitos da crise global foi a redução da demanda pelas commodities, levando os preços de vários produtos a despencar no mercado internacional. O barril de petróleo, que chegou a custar US$ 140 em julho de 2008, no final de março estava sendo cotado a menos de US$ 53.
Competitividade
Segundo especialistas, um dos primeiros passos para o Kremlin diversificar a economia será aumentar seu leque de investimentos dentro do setor energético, baseado principalmente na extração de petróleo e gás.
"Se a Rússia quer se especializar em energia, terá que investir no potencial tecnológico de outras áreas relacionadas ao setor, como fontes alternativas de energia, conservação e processamento", avalia Dmitri Trenin, diretor do instituto Carnegie Centre, em Moscou.
O analista reforça que para poder competir com outros países e se destacar no cenário econômico internacional, a Rússia ainda precisará canalizar recursos para outras áreas, como inovação tecnológica, informação e tecnologia aeroespacial.
Um ranking de competitividade industrial elaborado pela Agência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido, na sigla em inglês), colocou a Rússia em 66º lugar em uma lista de cem países. O país ocupou a pior colocação entre os BRIC, ficando bem atrás de China (26º), Brasil (39º) e Índia (40º).
O próprio Kremlin já reconheceu que para continuar crescendo até 2020, a Rússia terá que sair da inércia do desenvolvimento baseado nos recursos energéticos e outras commodities.
Em um discurso para o Conselho de Estado russo pouco antes de deixar a Presidência e ocupar o cargo de primeiro-ministro, em março do ano passado, Vladmir Putin disse que a posição da Rússia como exportador mundial de commodities pode, no futuro, "deixar o país atrás das maiores potências econômicas e de fora do grupo dos maiores líderes mundiais".
Durante os anos de prosperidade econômica, o Kremlin aumentou sua atuação no setor de energia, estatizando várias empresas. Como resultado, acumulou dívidas gigantescas e fez poucos investimentos na exploração de novas reservas.
Na opinião de especialistas, o futuro da Rússia como potência energética vai depender da vontade do Kremlin de abrir as portas para os investimentos estrangeiros.
"A grande questão para a próxima década será saber se o país vai se abrir para os investimentos externos no setor energético. Do contrário, será muito difícil desenvolver aquilo que constituiu o bem mais poderoso da Rússia, que são as commodities", afirma a cientista política Masha Lipman.
Efeitos da crise
A crise financeira internacional expôs as vulnerabilidades da economia russa a turbulências externas. Um dos efeitos mais perversos tem sido o desemprego, que no mês passado chegou a 8% da população ativa, atingindo seis milhões de trabalhadores.
A produção industrial caiu 20% nos últimos seis meses. O rublo, a moeda local, se desvalorizou pela metade, aumentando a inflação, que segundo números oficiais chega a 13,9%.
Em 2007, a economia cresceu 8,1%, o melhor desempenho da década, seguido pela aceleração, já freada pela crise, de 6% em 2008.
Para 2009, projeções do Banco Mundial indicam que a economia russa vai encolher 3% e, para 2010, o crescimento deverá ser de 0%. Mais otimista, o governo russo aposta em uma contração de 2,2% para este ano.
Os anos de crescimento econômico da última década encheram os cofres do governo, que hoje está canalizando cerca de US$ 600 bilhões em reservas para salvar empresas em dificuldades.
Alguns analistas duvidam da capacidade da Rússia de sobreviver à crise. Para opositores do Kremlin, o futuro do país é cercado de incertezas.
"Eu não acredito que diante das atuais dificuldades financeiras, a Rússia pode ter um papel político e econômico importante nos próximos anos antes que encontre uma solução para a crise", afirma Vladmir Milov, que integra o movimento político oposicionista ‘A Outra Rússia' e preside o think-tank russo Institute of Energy Policy.
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