A crise e a sucessão
Por Ulysses Guariba
Como vamos sair da crise? Quem se preocupa com o futuro fica mais apreensivo quando observa o espetáculo circense em que Lula transformou a política nacional. Com as eleições de 2010, vamos encerrar um ciclo da vida política nacional. Este ciclo foi herdeiro e tributário das lutas políticas pela redemocratização do País que levaram à convocação da Assembleia Constituinte e à Constituição Cidadã. Este ciclo consolidou a vida democrática. Mas quem está satisfeito com a vida política nacional? Lula pactua com o mais sórdido da política. Tem incrível faro para se juntar a pilantras. Vícios herdados da malandragem sindical. Alia-se a inescrupulosos notáveis. Depois de Sarney, até Collor! Os mensaleiros, que puseram a mão na massa, saíram de cena. Farejam despojos à espera de melhores dias. Todo o desmando da administração petista torna-se transparente. O “aliado” PMDB vai sangrar o governo a frio neste final de mandato... Os desmandos da política colocam em debate nacional a reinvenção das bases da nossa vida democrática. Tarefa para os novos eleitos. Fecham-se as cortinas do governo Lula... Neste ciclo de nossa história, as reformas econômicas implementadas por FHC tiveram destaque especial. O programa macroeconômico implantado afirmou-se como hegemônico e suprapartidário, apesar das incompreensões da oposição na época. O PT votou contra o Plano Real. Quando a oposição virou governo, nada mudou das linhas básicas do programa em operação.O Plano Real, conforme Gustavo Franco, foi “um processo que compreendia uma extensa agenda de ações, contemplando os chamados fundamentos econômicos da estabilização do desenvolvimento. Essa agenda era o cerne do programa. O Plano Real adotou paradigmas já bem assentados no tocante à disciplina monetária, à responsabilidade fiscal e a sustentabilidade financeira do Estado”. Esta agenda compromissou Lula. As metas de inflação, o câmbio flutuante e o superávit primário tornaram-se a expressão operacional deste compromisso adotada à risca desde o Acordo de 99 com o FMI. Tanto FHC quanto Lula compreenderam que nenhuma política seria efetiva com o imposto sobre o pobre na forma de inflação. Estas reformas e a continuidade do compromisso garantiram a atual situação de conforto da economia brasileira para enfrentar a crise.Não há dúvida de que a crise vai afetar em profundidade a vida nacional. “A crise externa vai nos impor custos ainda mais altos do que até agora percebidos. De um lado, as exportações de manufaturados sofrerão muito com a recessão e com o protecionismo de países próximos. Por outro lado, a paralisia financeira externa vai continuar a congestionar o mercado de crédito em reais. Finalmente, os planos de investimentos continuarão a ser adiados em grande proporção.” Com elegância, José Roberto Mendonça de Barros, descreve a conjuntura que se agrava e que enfrentaremos em 2009.Longe da tagarelice e desencontros de Lula, gente séria define propostas para nosso futuro. Pedro Malan é uma das cabeças pensantes. Na área macroeconômica, no dizer de Malan, o Brasil tem hoje dez anos de regime cambial de taxas flutuantes, um regime monetário de metas de inflação e nove anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Adicionalmente, há mais de dez anos o País criou as bases para um sistema financeiro sólido, fato hoje reconhecido internacionalmente.” Herança preciosa do governo Fernando Henrique. Caminho a seguir: consolidar estes três regimes e assegurar o funcionamento do sistema de intermediação financeira. Os três regimes podem ser flexibilizados e aperfeiçoados, “mas o que importa é a consistência entre as políticas fiscal, monetária e a evolução do câmbio em 2009 e adiante”. Estabilidade macroeconômica e financeira são fundamentais, segundo Malan, mas não asseguram o crescimento sustentado da atividade econômica, do investimento e do emprego. Será preciso destravar a agenda regulatória, concorrencial e de redução de incertezas jurídicas, estimulando o investimento doméstico e internacional. Avançar na área social com a prioridade à educação e à saúde, procurando eficiência, qualidade do gasto, combate sem tréguas ao desperdício, à fraude, à corrupção e à demagogia no trato destas questões sociais. Empreender as reformas previdenciária, trabalhista e tributária de forma gradual. Tudo isso e ficar de olho arregalado nos desmandos de Lula para evitar trágicos retrocessos. Caminho consistente para a sucessão. Senda pavimentada para José Serra...
Ulysses Guariba é professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
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