sexta-feira, 27 de março de 2009

Olhar com desconfiança

Como o pacote imobiliário vai ajudar a baixa renda

Prestações com juros subsidiados devem elevar demanda por imóveis populares

Por Francine De Lorenzo

Portal EXAME -

Apesar de ainda não haver muitos detalhes sobre como operará o programa habitacional anunciado pelo governo, os especialistas estão otimistas quanto aos resultados. Para eles, toda a cadeia produtiva - desde produtores de materiais de construção até lojas de móveis - será beneficiada. E a expectativa é de que finalmente o país passe a ter uma política habitacional. "Até agora, o que nós tínhamos era uma colcha de retalhos, com medidas isoladas. A última vez que se fez política para a habitação no Brasil foi na década de 1960, com o Sistema Financeiro da Habitação (SFH)", ressalta Fábio Nogueira, diretor executivo da empresa financeiro-imobiliária Brazilian Finance & Real Estate.
O ponto principal do pacote, na opinião do professor da Fundação Getúlio Vargas, Francisco Barone, não está na extinção do déficit habitacional, hoje estimado em 7,2 milhões de moradias, mas sim na disponibilização de crédito para as camadas mais baixas da população. "O problema do déficit habitacional é algo sem solução, e essa é a lei do capitalismo. É preciso que haja escassez para que o bem tenha valor. O importante é levar o financiamento até as pessoas com menor poder aquisitivo", diz Barone.
Demanda, segundo os especialistas, não vai faltar, mesmo durante o período de crise. Além de contar com prestações e juros subsidiados, o plano do governo prevê um seguro que, no caso de famílias com renda entre três e cinco salários mínimos, garante até 36 prestações. Para famílias com renda entre cinco e oito salários mínimos, a proteção será de 24 prestações e, para as famílias com renda de oito a dez salários mínimos, de 12 prestações. Os custos com documentação serão reduzidos, chegando à gratuidade para famílias com renda entre zero e três salários mínimos.
O único risco, apontado pela equipe de pesquisa da corretora Planner, está na localização dos imóveis. "Se os imóveis forem construídos em locais muito afastados, provavelmente a população não se interessará em mudar, porque haverá maior custo de transporte, aumento no tempo de deslocamento até o trabalho e, consequentemente, queda na qualidade de vida", alerta a corretora.
Para as construtoras e incorporadoras, que foram fortemente impactadas pela crise global, o pacote traz um certo alívio. O diretor financeiro e de Relações com os Investidores da Tenda, Paulo Mazzali, acredita que o programa tem potencial para transformar o setor. "A grande diferença desse plano para os demais é que ele não se baseia em subsídios para as construtoras e oferece segurança para as famílias assumirem um crédito de longo prazo", explica. Segundo ele, somente nas primeiras horas após o anúncio das medidas, mais de 1000 pessoas procuraram os profissionais da empresa para obter informações. Em dias normais, a empresa recebe de cinco a dez consultas.
Mazzali afirma que a Tenda está preparada para atender a demanda. "Temos um modelo de negócio que consiste na contratação de construtoras para a realização de projetos. Nós fazemos a gestão e o controle de qualidade dos empreendimentos e a construtora entra com a mão-de-obra. Isso nos permite expandir nossa oferta rapidamente", explica.
A expertise na construção de moradias para a baixa renda, de acordo com a Planner, será algo fundamental para as construtoras. Dentre as companhias com ações na bolsa, Tenda, MRV, Rodobens e PDG Realty são apontadas pela Planner como as de melhor perfil para atuar no programa. "As empresas voltadas para imóveis de alto padrão não devem tentar mudar seu core business para aproveitar o pacote. Isso significaria um risco muito alto, que pode não valer a pena", diz a corretora. As chances de erros para as companhias que nunca atuaram no setor de baixa renda ou que atuam pouco, explica a Planner, são muito altas. E, nesse nicho, qualquer erro pode significar a diferença entre o lucro e o prejuízo. "A margem de lucro nesses empreendimentos é muito inferior a de projetos de alto padrão. A idéia aqui é ganhar menos, mas ganhar rápido."
Para a corretora, a Rodobens utiliza o modelo de negócio mais interessante - o mexicano. A empresa compra grandes terrenos e, em parceria com a prefeitura, desenha projetos que incluem não só a construção dos imóveis, mas também infra-estrutura, como saneamento básico, sistema de transporte e escolas. Já para Nogueira, o ideal é que o Brasil trace um modelo próprio para o setor.
O executivo espera que, com a queda da taxa Selic, o setor imobiliário se torne mais atrativo para bancos e investidores. O risco de o Brasil viver uma bolha imobiliária, como a dos Estados Unidos, é descartado não só pela diferença de realidade entre os dois países, mas também pelas lições que a crise deixou. "O Brasil ainda tem um longo caminho para crescer. O setor imobiliário é como uma jazida de petróleo que vai começar a ser explorada agora", diz o diretor executivo da Brazilian Finance & Real Estate.
Na bolsa, o pacote provocou uma corrida pelas ações das construtoras nos últimos dias. Os papéis chegaram a subir até 45% nas duas últimas semanas, animados pelas medidas. A Planner, no entanto, ressalta que os próximos dias devem ser de alta volatilidade. "Como ainda há muitas dúvidas sobre o pacote, cada novidade deve provocar alta ou baixa nos papéis", diz a corretora. O governo deve anunciar detalhes do programa até o dia 13 de abril.

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