A Turquia divide suas fronteiras com os três maiores países do Oriente Médio: Irã, Iraque e Síria. A maior parte da região foi governada pela Turquia durante o período otomano, mas entre 1945 e 1990, os líderes turcos evitaram um envolvimento maior com os vários conflitos regionais. Após o fim do império otomano, a Turquia passou a viver entre dois mundos: era ao mesmo tempo islâmica, fortemente impregnada por seu passado, e país-membro da OTAN. Durante a Guerra Fria, a Turquia provou ser útil e necessária aos Estados Unidos, principalmente por causa de sua posição estratégica na fronteira com a ex-União Soviética.
Em 1990 esta tradição de não interferência foi quebrada, quando o país tomou partido da grande coalizão liderada pelos Estados Unidos no confronto que se seguiu à invasão e anexação do Kuwait pelo Iraque. Em cumprimento às sanções impostas ao Iraque pela ONU, a Turquia fechou os dois oleodutos usados para transportar o petróleo iraquiano através do país até o mar Mediterrâneo. Embora formalmente não fizesse parte da coalizão militar que lutou no Iraque, a Turquia empregou 150 mil soldados ao longo de sua fronteira com o Iraque, o que determinou que Bagdá tivesse que desviar um número equivalente para o sul e o norte do país. Além do mais, o país tornou-se base de mísseis da OTAN e foi autorizado o uso da base aérea militar em Incirlik para ataques dos aviões americanos ao território iraquiano. O verdadeiro motivo desse apoio foi o desejo da Turquia de fortalecer os laços com os Estados Unidos e os aliados da OTAN, numa época de incertezas - pelo menos para ela - sobre as relações estratégicas pós-guerra fria. A Turquia nunca foi aceita como membro da União Européia, apesar dos insistentes pedidos.
A principal consequência da Guerra do Golfo para a Turquia foi a internacionalização da questão curda. Após a derrota do Iraque para a coalizão liderada pelos Estados Unidos, em fins de fevereiro de 1991, a minoria curda do Iraque, que representava aproximadamente 15% da população de 19 milhões, revoltou-se contra o governo de Saddam Hussein. As forças governamentais reprimiram a rebelião em 3 semanas, precipitando um êxodo em massa de quase toda a população curda do norte do Iraque para o Irã e fronteiras turcas. Incapaz de lidar com a onda de refugiados, a Turquia fechou suas fronteiras após mais de 400 mil curdos terem fugido para as províncias de Hakkari e Mardin. Os soldados turcos impediram que mais 500 mil refugiados curdos do lado iraquiano cruzassem a Turquia, forçando-os a permanecer nos campos provisórios; um milhão de curdos fugiram para o Irã. A crise humanitária e a repercussão internacional acrescentaram um dilema para a Turquia, que relutava em absorver centenas de milhares de refugiados curdos. Além do mais, a Turquia havia sido contrária à criação de campos permanentes de refugiados, acreditando que esses campos pudessem se transformar em focos para o surgimento de um nacionalismo militante, como havia acontecido nos campos de refugiados da Palestina, criados durante a guerra que seguiu à criação de Israel.
A solução preferida pela Turquia para a crise dos refugiados curdos foi o retorno deles para suas casas no Iraque, com garantias de segurança dentro de um ambiente político que estimulasse sua integração a um Iraque unificado. As negociações com a Inglaterra, França e os Estados Unidos produziram um acordo em junho de 1991, que estabelecia uma zona protegida interina ao norte do Iraque, onde todas as atividades militares iraquianas foram proibidas. A Turquia permitiu a utilização pelos aliados da base aérea de Incirlik para vôos de reconhecimento sobre a zona de proteção. No início, o período de interinidade era para durar seis meses, podendo ser estendido por um período adicional de mais seis meses, a critério da Assembléia Nacional. Embora o acordo criasse uma zona de segurança de facto em três províncias no norte do Iraque, e induzisse a maioria dos refugiados curdos a retornar para casa, ele não resolveu o problema político entre os refugiados e o governo iraquiano. Pelo contrário, Bagdá, em resposta, impôs um bloqueio no norte, o que tornou os curdos dependentes economicamente do Irã e da Turquia.
A Turquia opôs-se à criação de um governo curdo autônomo no norte do Iraque. No entanto, a intransigência iraquiana para com a ONU depois da Guerra do Golfo e a determinação dos Estados Unidos de limitarem seu envolvimento na zona de segurança a patrulhas aéreas, tornou inevitável a formação de uma administração local. A Turquia concordou com relutância depois que líderes curdos iraquianos afirmaram em Ancara que um governo autônomo não significava a independência dos curdos, mas que cooperaria com todos os grupos de oposição iraquiana para criar uma alternativa democrática ao regime de Saddam Hussein. Após as eleições de 1992, foi estabelecido um governo autônomo em Arbil. A Turquia aceitou este governo no norte do Iraque mas não reconheceu o governo provincial e condicionou sua cooperação com o governo autônomo ao apoio dos curdos à integridade territorial do Iraque e ajuda no controle do PKK nos campos do norte do Iraque.
A RESISTÊNCIA CURDA NA TURQUIAA resistência curda na Turquia, liderada sobretudo pelo PKK, tem aumentado nos últimos anos, tanto no campo político-militar, como na defesa dos costumes e tradições do povo. É claro que sua luta representa um fator de instabilidade em toda a região. A Turquia pretendeu fazer aquilo que Saddam Hussein tentou e não conseguiu - destruir o PKK - e, com isso, angariar novos trunfos para suas tentativas de integrar a União Européia.As forças políticas curdas legais estão quase desaparecidas na Turquia. O Partido Trabalhista do Povo(HEP) foi proibido em 1993, e o Partido da Democracia, sucessor do HEP, também foi proscrito. Muitos de seus dirigentes estão presos ou exilados. A tortura de prisioneiros curdos é amplamente utilizada, tendo sido denunciada por várias organizações internacionais de direitos humanos. A resistência armada conta com aproximadamente 20 mil guerrilheiros, 200 mil milicianos e quase 5 milhões de simpatizantes. Também melhoraram suas ligações com as organizações populares urbanas, os exilados e a oposição turca.Desde 1989 a Turquia utilizou, pelo menos em 29 ocasiões, armas químicas contra os redutos curdos nas montanhas, na tentativa de exterminar a guerrilha do PKK. Nos últimos 4 anos, esta guerra produziu uma média de 2.500 vítimas anuais, entre soldados, guerrilheiros e civis, estes últimos os mais afetados. Em 1995, 35 mil soldados turcos voltaram a fustigar as áreas controladas pelo PKK no Iraque. Por ser país membro da OTAN e aliado dos EUA, a Turquia nunca sofreu qualquer tipo de sanção internacional.Apesar do elevado número de mortos, esta guerra aparece muito pouco nos meios de comunicaçãointernacionais e quando é veiculada, prevalece a versão turca. O silêncio cúmplice do mundo ocidental é um dos principais incentivos para o governo turco continuar massacrando a população curda.
FONTES:
A History of Arab Peoples - Albert HouraniIslã, Um Enigma de Nossa Época - José Arbex Jr. - Editora ModernaO Oriente Médio - Isaac Akcelrud - Coleção Discutindo a História -Atual Editora Ltda.
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