O combate
Josué Montello
"Na véspera do combate, quando a lua despontou por cima dos contrafortes da serra do Medeiro, já encontrou as tropas do Capitão Nelson de Melo a poucos quilômetros do lugar escolhido para o duplo movimento - de vanguarda e retaguarda - contra as forças governistas. O batalhão marchava em silêncio, cobrindo a picada no passo certo da marcha, de baterias prontas para a ofensiva, enquanto a cavalaria se alongava em fila indiana, com os animais de orelhas fitas, rédeas soltas, batendo cadenciadamente os cascos nas pedras do chão. Adiante, nas carretas vagarosas, seguiam dois canhões, ladeados por quatro artilheiros.Por volta das dez e meia, o batalhão parou para acampar. Dali se podia ver, banhada pela claridade do luar, a silhueta compacta das montanhas fechando o cenário da luta. Ocultos pela vegetação das encostas, já os canhões inimigos espreitariam, alongando o pescoço comprido, prontos para atirar.João Maurício, que dispensara a barraca de campanha, preferira ficar ao relento, na companhia de seus soldados, sentindo à sua volta a noite imensa e clara. Jamais tinha visto outra assim. Afeito a galgar escarpas e desfiladeiros, vivia agora uma emoção diferente, com aquela luz úmida, aquele silêncio espaçoso, aquelas cumeadas, aquelas árvores que a brisa balouçava. Por terra, junto aos fuzis e às mochilas, jaziam os companheiros adormecidos, agasalhados nas mantas e nos capotes, sem que se lhes ouvisse o ressonar sobressaltado. Parecia a João Maurício que, afora as sentinelas, que se mantinham alerta nos postos avançados, somente ele permanecia vigilante, àquela hora tardia, sentado no chão, com as mãos frias escorando o corpo, que se reclinava para trás. Apesar da marcha longa, não sentia sono nem cansaço. Aquela vigília não seria um aviso de que seu fim se aproximava? Entregava-se às mãos de Deus, convicto de que tomara o partido da boa causa. E alongava para os alcantis a vista insone. A noite, olhada daquela iminência, com as montanhas empinadas sob a luz alvacenta, tinha a imponência inaugural do mundo primitivo, como se Deus houvesse acabado de fazer tudo aquilo. Aqui, além, esguios pinheiros imóveis, perfilados no sopé das encostas, abriam-se no alto, como em gesto de oferenda. Com o passar das horas, a luz adquiria gradações novas. A própria lua, suspensa sobre a crista da serra, dava a impressão de buscar alguma coisa na claridade fosca, com um ar de notívaga assustada.Nisto João Maurício percebeu que um vulto se movia ao seu lado, firmando as mãos no solo para erguer a cabeça, e logo reconheceu o Cabo Ruas, que por fim se sentou, esticando os braços curtos:— Não quis dormir, Tenente? Eu passei pelo sono. Em noites assim, durmo e acordo, durmo e acordo. Tomara que esta briga acabe depressa. Já estou sentindo a falta de casa. Vou brigar ainda um mês ou dois, depois pego licença: já está em tempo de ver minhas crianças. Agora mesmo sonhei com a patroa. Ela fazia um festão com a minha chegada.E após um silêncio longo, olhando a noite erma:"...
sábado, 28 de fevereiro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário