É ela! É ela! É ela! É ela!Álvares de Azevedo
É ela! é ela! — murmurei tremendo,e o eco ao longe murmurou — é ela!Eu a vi... minha fada aérea e pura —a minha lavadeira na janela.Dessas águas furtadas onde eu moroeu a vejo estendendo no telhadoos vestidos de chita, as saias brancas;eu a vejo e suspiro enamorado!Esta noite eu ousei mais atrevido,nas telhas que estalavam nos meus passos,ir espiar seu venturoso sono,vê-la mais bela de Morfeu nos braços!Como dormia! que profundo sono!...Tinha na mão o ferro do engomado...Como roncava maviosa e pura!...Quase caí na rua desmaiado!Afastei a janela, entrei medroso...Palpitava-lhe o seio adormecido...Fui beijá-la... roubei do seio delaum bilhete que estava ali metido...Oh! decerto... (pensei) é doce páginaonde a alma derramou gentis amores;são versos dela... que amanhã decertoela me enviará cheios de flores...Tremi de febre! Venturosa folha!Quem pousasse contigo neste seio!Como Otelo beijando a sua esposa,eu beijei-a a tremer de devaneio...É ela! é ela! — repeti tremendo;mas cantou nesse instante uma coruja...Abri cioso a página secreta...Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
Manuel Antônio Álvares de Azevedo, precursor do romantismo em nossas letras, nasceu em São Paulo (SP), a 12 de setembro de 1831. Autor de "Noites na Taverna", "Macário" e de copiosa produção poética, muito influenciada pela obra de Byron, morreu no Rio de Janeiro (RJ), a 25 de abril de 1852, quando aluno do quinto ano da Academia de Direito de São Paulo. É o patrono da cadeira nº. 2, da Academia Brasileira de Letras. Autor de versos de grande vibração dramática, como os que escreveu impetrando clemência para o capitão Pedro Ivo, herói da revolução praieira, por vezes feriu também a nota humorística. Os versos acima são uma prova disso. Disse dele Edgard Cavalheiro: "Faltou-lhe para ser gênio, exclusivamente isto: tempo. Fez vibrar todas as cordas da lira, do mais ingênuo lirismo ao mais desabusado erotismo. É zombeteiro e irônico, alegre e triste, vibrante e meigo, sensual e pudico. Devemos-lhe a introdução do humor na poesia brasileira."



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