quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Eu também quero ser adido em Portugal

Da Abin para Portugal

Lacerda é exonerado mas ganha cargo de R$ 40 mil, criado para ele, de adido policial

Por: Bernardo Mello Franco - O Globo

Depois de quatro meses na geladeira, o delegado Paulo Lacerda foi demitido ontem do cargo de diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele estava afastado temporariamente desde 1º de setembro por causa da denúncia, até hoje não comprovada, de que arapongas teriam grampeado ilegalmente o telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entendeu que não havia condições políticas para reconduzir Lacerda, mas decidiu, numa solução negociada ao longo das últimas semanas, criar um novo posto para acomodá-lo no exterior. Ele será adido policial na embaixada do Brasil em Portugal, com salário em dólar que pode ultrapassar o equivalente a R$40 mil. O decreto que tira o delegado da Abin será publicado hoje no Diário Oficial. Também serão exonerados os assessores que já haviam sido afastados com ele, como o diretor-adjunto José Milton Campana e o delegado Renato da Porciúncula, ainda sem destino definido. O diretor interino Wilson Trezza continuará no comando da agência durante pelo menos um mês. Como a nomeação de um novo diretor-geral depende de sabatina no Senado, o governo terá todo o recesso de janeiro para decidir a sucessão no órgão. A demissão de Lacerda e sua transferência para Lisboa foram divulgadas ontem à tarde em nota do Gabinete de Segurança Institucional, ao qual a Abin é subordinada. O texto, de apenas oito linhas, não expõe os motivos da mudança: limita-se a informar a dança de cadeiras na agência de espionagem, que produz relatórios sigilosos para orientar decisões do presidente da República. Por ironia, Lacerda, que nega envolvimento da Abin em escutas ilegais, ficará subordinado formalmente ao desafeto Luiz Fernando Corrêa, que o sucedeu na direção da PF e tem atuado como interlocutor do governo com o presidente do Supremo.

Tarso articulou criação de cargo
A criação do cargo em Portugal foi articulada pelos ministros da Justiça, Tarso Genro, e do GSI, general Jorge Félix. Eles agiram como emissários de Lula junto ao delegado, argumentando que a nomeação preservaria sua biografia e seria interpretada como uma manifestação de que o presidente confia em sua inocência. De acordo com o Ministério da Justiça, a principal atribuição de Lacerda em seu novo cargo será representar a PF junto às autoridades locais e à Interpol no combate ao tráfico de pessoas e aos crimes associados à imigração ilegal de brasileiros para o país europeu. Até hoje, o Brasil só tinha adidos policiais na França e em seis países com os quais faz fronteira: Argentina, Paraguai, Colômbia, Uruguai, Suriname e Bolívia. Lacerda será o primeiro delegado aposentado a assumir esse tipo de cargo, que inclui a nomeação de mais um delegado como adjunto. A pasta ainda informou que pretende abrir outras duas adidâncias policiais, na Itália e nos Estados Unidos. Segundo a PF, o novo salário do ex-diretor da Abin ainda não foi calculado, mas deverá ser semelhante ao de adido policial em Paris, de US$ 17.500 (aproximadamente R$ 42 mil). O órgão não soube informar se Lacerda acumulará o valor com a aposentadoria como delegado, em torno dos R$ 20 mil. Depois de dois meses de investigações, a PF ainda não conseguiu encontrar provas de que Gilmar Mendes foi alvo de um grampo clandestino em conversa com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). No último dia 19, o GSI arquivou sindicância interna instaurada para apurar o suposto envolvimento de agentes no caso. Ontem, Lacerda e Gilmar não quiseram comentar o caso. Demóstenes Torres está em viagem de férias à Europa.

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